Uma imagem feminina de longos cabelos pretos e olhos grandes tem causado preocupação entre mães e pais. Chamada de Momo, a boneca reacende o debate sobre a segurança de crianças e adolescentes na internet, após preocupações com o jogo da Baleia Azul, no ano passado. A boneca Momo é apontada em correntes de internet como um espírito que envia mensagens de terror, especialmente por um número japonês de WhatsApp. As discussões sobre a boneca cresceram nas redes sociais e em canais de YouTube a partir de meados de julho.
Isso deu origem a boatos de que criminosos teriam criado perfis falsos da Momo para abordar crianças e adolescentes pela internet, a fim de extrair informações, extorquir e manipular. O caso de maior repercussão atribuído supostamente à boneca é o de Artur Luis Barros dos Santos, de 9 anos, que foi encontrado enforcado no quintal de casa no Recife em 15 de agosto. Embora ainda esteja em investigação, há poucos indícios de que a morte do menino tenha sido causada por um perfil ligado à boneca - de acordo com Yêda Nascimento, advogada da família.
Segundo a advogada, a única ligação com a Momo é que o garoto havia mostrado rapidamente uma foto da boneca para a mãe, a professora Jany Nascimento. Após a morte do filho, ela soube por uma sobrinha de que existia um desafio de enforcamento compartilhado por perfis da boneca.
Especialista em crimes cibernéticos, Yêda acredita que o menino tenha morrido acidentalmente ao tentar cumprir um desafio de sufocamento divulgado pela internet, mas sem relação com a boneca. "Encontramos dados importantes que nos fazem crer", aponta. De acordo com ela, Artur era de uma família de classe média, fazia natação e badminton e não apresentava nenhum sinal de depressão. "Não tinha motivos para suicídio", afirma.
Caso seja comprovado que o menino foi induzido a participar de um desafio, o autor pode ser responsabilizado por indução ao suicídio. A pena pode ser de dois a seis anos, com prazo ampliado quando infringido contra menor de idade, segundo a advogada.
A confeiteira Muriel Moura, de 34 anos, foi abordada pela filha de 12 anos quando a menina recebeu uma suposta mensagem da boneca há pouco mais de um mês. "Ela recebeu uma mensagem dizendo que a conhecia e sabia onde morávamos e que fazia bolos. Minha filha veio pálida me mostrar", conta. Elas decidiram, então, bloquear o número e apagar as mensagens. "Ela havia comentado que estavam mandando mensagens para todos da escola", conta a capixaba.
Em julho, dez colegas de uma escola no interior de Santa Catarina receberam mensagens do momo, que começaram como conversas banais e avançaram para um comportamento pedófilo. Assustadas com o pedido de fotos sensuais, as garotas resolveram mostrar o conteúdo aos pais, que foram juntos registrar a ocorrência na delegacia.
"Ele queria fotos íntimas", conta o delegado Felipe Orsi, da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso. O criminoso, segundo ele, "aparentava observar a rotina das meninas", por saber o nome de cada uma e pelo desenrolar da conversa. O texto não parecia ser escrito por outra criança ou adolescente.
Origem da boneca Momo
A Momo é divulgada com a imagem de uma escultura japonesa de uma mulher-ave exibida na Vanilla Gallery, de Tóquio, em 2016. Ela começou a ser mais compartilhada a partir de julho, entrando em declínio no fim do mês, de acordo com dados do Google Trends. No Brasil, voltou a ser comentada após a divulgação da morte do menino pernambucano.
Na internet, ganhou repercussão em especial no YouTube, onde canais postam supostas conversas com a boneca como se fossem reais. Há, ainda, aqueles que criaram vídeos cômicos sobre o assunto. Por outro lado, pais têm compartilhado correntes que misturam informações falsas e verdadeiras sobre a Momo.
Há uma semana, um colégio de Salvador divulgou nota em que negava ser o autor de um alerta a pais que viralizou no WhatsApp. Outras instituições de ensino também já emitiram comunicados sobre o tema, como a Rede Salesiana Brasil de Escolas e o Centro Educacional Recriando, do Rio de Janeiro.
Cuidados com crianças na internet
A situação tem reacendido debates sobre segurança de crianças e adolescentes na internet. Neste mês, a ONG Safernet chegou a emitir a nota com dicas para as famílias após ser procurada por pais e educadores. "Precisamos ter uma cautela muito grande para lidar com esse tipo de tema, porque pode despertar a curiosidade dos jovens, que entram em um circuito e buscam um conteúdo que nem sabiam que existia", ressalta o diretor de Prevenção e Atendimento, Rodrigo Nejm.
No caso do Momo, por exemplo, ele diz que o conteúdo pode ser veiculado por alguns motivos. O mais simples deles é o de "zoeira" ou brincadeira, realizado especialmente entre adolescentes, mas há também aqueles que utilizam informações disponíveis na internet (a partir de pesquisas em redes sociais) para extorquir a criança ou adolescente.
Nejm lembra que, principalmente pelas redes sociais, é possível encontrar informações pessoais que podem ser utilizadas para dar a impressão de que o criminoso conhece a criança. "Alguns se aproveitam da onda do momento, que agora é o Momo, que já foi a Baleia Azul, para roubar conteúdo, dados. Uma vez aceita a conversa, já é possível ver o número, a foto e eventualmente até o nome completo", ressalta.
Professor de Ciência e Computação da Mackenzie, Vivaldo Bretenitz afirma que o "perigo se inicia" realmente quando a criança ou adolescente estabelece uma conversa com a pessoa desconhecida. Dentro disso, é preciso estar atento a links que possam ser utilizados para extrair dados da vítima. "Fica mais complicado, porque estabelece uma conexão com o dispositivo."
Além disso, a Safernet ressalta que a participação dos pais é importante. "Quando acontece alguma coisa, a criança ou adolescente sabe que fez besteira e tem medo de contar, por medo de levar bronca, ficar sem celular", diz Nejm. Outra dica é não ridicularizar as crianças quando afirmam estar amedrontadas ou em sofrimento.
"A internet é a maior praça pública do planeta. Como um espaço público, tem pessoas mal intencionadas, não é 100% adequado para uma criança. Ela pode saber mexer, mas, dependendo da idade, não tem discernimento para diferenciar o que é lenda urbana."